Prefácio do livro Pensar, Sentir, Ver: Percepção e processo em Fotografia

de Scott MacLeay

É difícil descrever a sensação que sinto naquelas ocasiões excepcionalmente raras em que, enquanto fotógrafo, estou em harmonia com meus objetivos, e o mundo é, na verdade, o que pretendia ser (pelo menos no que diz respeito à mim). É uma sensação de plenitude, de estar em sintonia com o meu eu, de sentir que as raízes responsáveis pela minha viagem estão, de maneira curiosa, em fase com os esforços que fiz para construir sobre elas.

A presente coletânea de ensaios constitui os meus pontos de vista sobre como penso que consegui provocar alguns desses momentos, as influências externas e internas que estavam operando e as lições que forneceram, nada mais, nada menos. Ela representa a minha visão muito pessoal do meio fotográfico, especialmente no que se aplica à fotografia como forma de expressão artística e não puramente como um meio comercial. Não tenho a pretensão de falar “a” verdade, apenas a minha verdade, a minha percepção de como eu experimento o que vejo ao meu redor e escolho representá-lo fotograficamente. Trata-se, creio eu, do processo e nossa perspectiva sobre a sua importância. Este livro pode ser considerado como um instantâneo dos meus pensamentos e sentimentos sobre a importância do processo e como eles evoluíram ao longo do tempo. Existem inconsistências inevitáveis em qualquer viagem e a minha não é exceção. Assim como a falha, elas são parte necessária de qualquer aprendizagem e são um subproduto de correr riscos e pensar/mover além dos perímetros estabelecidos. Nossos pensamentos não são tão certos como às vezes gostaríamos de pensar que são. Encontrar exceções importantes para o que originalmente considerou-se como ideias infalíveis é uma fonte indispensável de crescimento pessoal.

Minha ambição em reunir esses ensaios, em forma de livro, é de fazer uma contribuição, visando preencher o que percebi como sendo uma brecha na literatura fotográfica em geral. Temos grandes obras filosóficas sobre as artes visuais e fotografia por historiadores de arte, teóricos, críticos, semiólogos e filósofos, como Roland Barthes (La Chambre Claire) e Susan Sontag (sobre fotografia), temos uma verdadeira montanha de literatura fotográfica, técnica e descritiva, elaborada por uma multidão de diversos autores que escrevem em livros e revistas no mundo todo e, no entanto, parece-me que há poucos livros destinados a servir como guias práticos para fugir do que poderia ser descrito como a tirania do pensamento fotográfico tradicional. Tomados em conjunto, estes ensaios fornecem um olhar crítico sobre o meio, seus pontos fortes e fracos, onde tem estado, e para onde pode ir. Estes ensaios não constituem um livro didático, embora seu objetivo seja pedagógico, num sentido muito amplo; meu objetivo é simplesmente provocar uma reflexão sobre as tradições e enquadramentos conceituais fotográficos e como relacionam-se com aqueles encontrados em outras formas de expressão artística. O seu valor pedagógico não é, portanto, encontrado tanto na especificidade de meus argumentos e reflexões pessoais, como é na importância do que está na base de sua formulação: o desenvolvimento de um olhar crítico e o processo de questionamento capaz de gerar novas perspectivas sobre nosso trabalho. Os ensaios são simplesmente uma tentativa de dar o pontapé inicial para a reflexão sobre o que fazemos e porque o fazemos da maneira como fazemos entre esses jovens fotógrafos que procuram estender seus limites práticos e as bases conceituais que os enquadram.

A fotografia é, hoje, parte da paisagem da arte contemporânea. Embora os graduados de belas artes das melhores universidades em capitais culturais ao redor do mundo possam estar plenamente conscientes das implicações desta situação, continua a haver uma quantidade significativa de jovens fotógrafos que ainda aborda o meio com ideias que efetivamente datam de mais de um século. Espero que estes ensaios encontrem seu caminho em suas mãos, não porque a sua abordagem é errada, mas simplesmente porque a sua abordagem deve ser uma escolha e não um dado “a priori”.

Acredito que pensamos demais em fotografia sobre o lado técnico das coisas, esquecendo-nos,

ou talvez incapacitados de libertar o fluxo de criativa energia intelectual, emocional e psicológica que deveria orientar e dar sentido a esta técnica. Também acredito que estamos muito apegados ao conceito de capturar um momento e tentar fazer com que este momento conte uma história que, por algum motivo, sentimos deve conter alguma verdade universal e duradoura. Tentei transmitir as preocupações, experiências e processos de pensamento que me levaram a estas conclusões e que me levaram a adotar abordagens e perspectivas alternativas sobre as artes visuais em geral e a fotografia em particular. Meus pensamentos e conclusões são concebidos apenas para motivar, não para convencer, porque o que estou promovendo em última análise é a ideia de que não devemos ter uma fé cega em qualquer conjunto estabelecido de regras, pensamentos, ideias ou preceitos. Estes ensaios são sobre o desafio de pensar de forma diferente, não se trata de converter um conjunto alternativo de ideias fechadas à espera, nos bastidores, para se tornar o novo status quo (estado atual). Quero fotógrafos fazendo perguntas existenciais sobre como podem representar visualmente o que pensam e sentem, quem eles realmente são e, em seguida, que continuem fazendo imagens, muitas imagens de todo tipo possível com base no maior número possível de bases conceituais.

Espero ser capaz de proporcionar um pouco de clareza sobre as questões levantadas nestes ensaios e sobre a maneira pela qual vários artistas em uma variedade de campos em diferentes épocas, países e culturas têm contribuído para moldar meus pontos de vista. Eu sempre apreciei a imagem de luz pluridisciplinar, que brilha através das rachaduras do nosso conhecimento, filtrando até nossas profundezas e iluminando nossa ignorância. As falhas são coisas valiosas quando consideradas sob essa luz. O fracasso pode ser uma força motriz positiva, se soubermos experimentá-lo de forma mais produtiva e em ambientes mais compreensivos. Tanta coisa é realmente uma questão de ponto de vista.

Na leitura dos ensaios, alguns podem ser tentados a sugerir que eu estou pedindo muito da fotografia e pervertendo a sua verdadeira missão. Eu, obviamente, não concordo. Acredito que o meu desejo de mais flexibilidade conceitual no campo da fotografia é razoável, baseado na ideia de constante expansão, renovação e transformação, em vez de simplesmente substituir as abordagens tradicionais. Na realidade, acredito ser às vezes muito tímido em minhas demandas. Quando se abandona a ideia de verdade universal e, portanto, a importância de comunicar o que passa por ela, talvez seja mais difícil construir uma estrutura independente, autônoma de pensamento para enquadrar e guiar nossas forças criativas no conforto da estabilidade conceitual e de composição. Coerência pode sofrer e inconsistências podem surgir. É uma parte inevitável de cada viagem verdadeiramente pessoal para ser dividida em várias direções e buscar racionalidade onde, de fato, muitas vezes, não há ninguém para ser encontrado. Acho que o que quero salientar nestes ensaios é o quão é importante para nós permitir trabalhar descaradamente a serviço de nossa incoerência inevitável, certo de que há uma razão pela qual isso é importante, mesmo se não tivermos acesso constante à ela.

Então o que isto significa? Simplesmente que raramente chegamos a algum lugar interessante se ficamos parados ou tomando palavras de outras pessoas para as coisas. Chegarmos a algum lugar interessante através do questionamento do status quo, provocando-nos a atuar em novas formas e mover em novas direções. Os jovens costumam fazer isso com mais facilidade do que os mais velhos. É por isso que é tão importante aprender a desafiar a sabedoria convencional como parte da rotina da viagem e não como uma estratégia de uma parada projetada para descobrir um nicho novo, mas também confortável, em que nos repetimos indefinidamente. É fundamental nos proteger contra, permitindo-nos adotar cegamente perspectivas confortáveis sobre questões essenciais. Precisamos mexer com nossos nervos. Desafiar o status quo, muitas vezes, gera desconforto e isso é bom. Provavelmente, não há limite para o que podemos alcançar, se pudermos evitar à fotografia sua tendência natural de diminuir seu potencial, escondendo-se timidamente atrás das tradições em vez de inspirar-se por elas para seguir em frente.

Scott MacLeay, Florianópolis, Brasil, 27 de outubro de 2014

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